A possibilidade de revisão dos contratos de locação e o que entende o TJSC sobre o assunto

Teoria da imprevisão: a possibilidade de revisão dos contratos de locação e o entendimento do TJSC sobre o assunto

 

Conforme ensina o ilustre doutrinador José Joaquim Gomes Canotilho[1], “o homem necessita de segurança para conduzir, planificar e conformar autônoma e responsavelmente a sua vida”. A força obrigatória dos contratos, representa a segurança jurídica no âmbito das relações contratuais.

Entretanto, fatos imprevisíveis, ensejam e historicamente ensejaram a revisão dos contratos. Embora o tema tenha ganhando repercussão no mundo jurídico diante da pandemia da Covid-19, é fato que a teoria da imprevisão já é utilizada, pelo menos, desde o Império Babilônico, aproximadamente 2700 a.C., através do Código de Hamurabi [2].

Posteriormente, ganhou relevância com a chegada das grandes guerras mundiais, aparecendo, por exemplo, na Lei Faillot, de 1918, que na parte final do artigo 2º previa “o juiz pode, também, por pedido de uma das partes, decidir pela suspensão da execução do contrato durante o prazo que ele determinar”.

A teoria da imprevisibilidade está inserida em nosso ordenamento. Nesse sentido, dispõe o artigo 317 do Código Civil de 2002:

Art. 317. Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação. (grifo nosso).

A ocorrência do fato extraordinário e imprevisível causa desequilíbrio no contrato e acaba resultando em extrema vantagem para um dos contratantes, porém, considerando que há uma transitoriedade na situação, eis que tudo indica que a pandemia terminará, não há necessidade de extinção da obrigação, mas de readequação e afastamento da mora. A esse respeito, veja-se o que dispõe Pontes de Miranda[3]:

Se é de prever-se que a impossibilidade pode passar, a extinção da dívida não se dá. Enquanto tal mudança é de esperar-se, de jeito que se consiga a finalidade do negócio jurídico, nem incorre em mora o devedor, nem a fortiori, se extingue a dívida. Mas, ainda aí, é advertir-se que a duração da impossibilidade passageira, ou de se supor passageira, pode ser tal que se tenha de considerar ofendida a finalidade, dando ensejo a direito de resolução.

O Código Civil, ao tratar sobre a resolução dos contratos por onerosidade excessiva, dispôs que “a resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar equitativamente as condições do contrato”, conforme disposto no artigo 479.

Nesse sentido, a IV Jornada de Direito Civil, quando analisou o artigo 487 do Código Civil, emitiu o Enunciado nº 366: “O fato extraordinário e imprevisível causador de onerosidade excessiva é aquele que não está coberto objetivamente pelos riscos próprios da contratação”.

O Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC), por sua vez, tem admitido a aplicação da teoria da imprevisão para a revisão dos contratos de locação comercial.

Em recente julgamento, realizado em 24 de março de 2021, na análise do Agravo de Instrumento n.º 5026226-16.2020.8.24.0000[4], a Quinta Câmara de Direito Civil decidiu que uma casa noturna de shows e eventos, que teve sua operação quase totalmente paralisada e que, por esta razão, teve seu faturamento inevitavelmente atingido, teria direito à minoração da locação em até 50%.

Esse mesmo entendimento foi adotado pela Quarta Câmara de Direito Civil, na análise dos Agravos de Instrumento n.º 5017568-03.2020.8.24.0008[5] e 5017338-58.2020.8.24.0000[6], para admitir a redução do valor de aluguel bem como do 13º aluguel em 50% , e do fundo de promoção para o patamar de 30%, de forma a reequilibrar o contrato, atendendo ao princípio da boa-fé contratual e da função social do contrato.

Dessa forma, é possível concluir que o Tribunal de Justiça de Santa Catarina admite a incidência da teoria da imprevisibilidade para revisar os contratos que se tornaram excessivamente onerosos em virtude da pandemia causada pela Covid-19.

[1]CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 3ª ed. Coimbra: Almerinda, 1999, p. 252.
[2] Lei 48, que determinava: “se alguém tem um débito a juros, e uma tempestade devasta o campo ou destrói a colheita, ou por falta d´água não cresce o trigo no campo, ele não deverá nesse ano dar trigo ao credor, deverá modificar sua tábua no contrato e não pagar juros por esse ano”.
[3] PONTES DE MIRANDA, F.C. Tratado de Direito Privado. T. XXV. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 289.
[4] TJSC, Agravo de Instrumento n. 5026226-16.2020.8.24.0000, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Ricardo Fontes, Quinta Câmara de Direito Civil, j. 24-03-2021)
[5] TJSC, Agravo de Instrumento n. 5017568-03.2020.8.24.0000, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Helio David Vieira Figueira dos Santos, Quarta Câmara de Direito Civil, j. 18-03-2021.
[6] TJSC, Agravo de Instrumento n. 5017338-58.2020.8.24.0000, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Helio David Vieira Figueira dos Santos, Quarta Câmara de Direito Civil, j. 18-03-2021.
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